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Até tu, Sócrates!


Estátua do filósofo Sócrates na Academia de Athenas, Grécia. Portfólio de Aerial-motion. ID da foto stock livre de direitos: 1197525691

Se você nasceu antes dos anos 2000 é quase certo que já tenha resistido a aceitar alguma novidade que a tecnologia tem trazido para nossas vidas. Parece até que, embora não soubéssemos, o nosso jeito de viver tinha uma data de validade que expirou junto com o século 20.

Vale lembrar que, embora a tecnologia esteja associada a uma série de aparatos e inovações criados nos últimos anos, a sua essência foi fundamental para a evolução da espécie humana, facilitando o domínio de um ambiente hostil e permitindo a realização de atividades complexas. A invenção da escrita, por exemplo, considerada uma das primeiras inovações tecnológicas, teve um impacto gigantesco no desenvolvimento da humanidade.

É difícil imaginar que a escrita, hoje reconhecida como uma invenção poderosa e imprescindível, tenha sido tão duramente criticada quando surgiu. Para o filósofo grego Sócrates, conhecido como um grande orador, a escrita era perigosa por não permitir que as ideias fluíssem em tempo real como acontecia nos debates ao vivo que realizava. Apesar dessa resistência, Platão, um de seus discípulos, enxergou os benefícios de longo prazo dessa invenção e transcreveu todos os diálogos de Sócrates, atitude que nos permitiu apreciá-los mesmo após sua morte. [1]

As reações das pessoas em relação à tecnologia variam bastante. Tem as que resistem a aceitar as mudanças que ela impõe, outras que percebem que não têm como fugir dessa realidade e até as que se consideram privilegiadas por viverem nesse momento em que tudo parece possível e que novidades surgem a todo o momento para facilitar suas vidas.

O escritor americano James Gleick nos conta que quando o telégrafo surgiu, há 150 anos, as pessoas acreditavam que aquela tecnologia aniquilaria o tempo e o espaço e criaria uma comunidade global, o que mostra que nossos ancestrais também ficaram atônitos com as tecnologias que surgiram na sua época.

Assim como Sócrates, que ficou com o pé atrás com a chegada da escrita, há quem questione os possíveis danos que a internet possa provocar na nossa forma de pensar, como o jornalista americano Nicolas Carr, que escreveu, em 2008, o artigo O Google está nos deixando burros e que posteriormente foi a base do seu livro A geração superficial - o que a internet está fazendo com os nossos cérebros.

A tese do livro é que, ao nos ensinar a ler de forma veloz, horizontal, volúvel e interativa, a tecnologia digital está reprogramando a neuroplasticidade do nosso cérebro, o que afetará a habilidade de as pessoas acompanharem raciocínios longos e mergulharem sem distração na solução de problemas complexos. Carr reconhece que a internet traz ganhos imensos para nossas vidas, mas alerta que podemos perder nossa a capacidade de concentração.


Ainda que a tese de Carr faça sentido, parece-me que a sua postura tem um tom um tanto pessimista, mais pra Sócrates do que pra Platão. É importante refletir sobre suas conclusões e manter sempre um senso crítico sobre o uso da internet, mas sem perder de vista que são as inovações tecnológicas que têm propiciado a evolução contínua da humanidade.


[1] Burgos, Pedro. Conecte-se ao que importa: um manual para a vida digital saudável. São Paulo: Le Ya, 2014.

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